Em japonês não existe alfabeto!

  • Isabel Caroline Hack Machado
  • 12-11-2023
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Quando se ensina japonês, ou se fala sobre os sistemas de escrita, é comum usar a convenção “alfabeto”, por ser algo muito mais próximo do que existe no português. Porém, quando se estuda linguística, fica inviável continuar chamando desta forma. As coisas têm seu nome porque têm funções diferentes, certo? Por isso, no japonês, não podemos usar os mesmos termos que usamos para o português.

Em suma, existem três sistemas de escrita usados no japonês. A história é a seguinte, como explica o professor Haruo Shirane, da Columbia University¹, em tradução livre:

“O Sistema de escrita oficial era o chinês. Ele ainda era o maior modelo, o padrão pelo qual os japoneses viam e mediam-se. [...] Todos os documentos eram em chinês. Todos os decretos imperiais eram em chinês. [...] Os japoneses sempre falaram japonês. Mas não tinham um sistema de escrita (N.T. próprio), então escreviam com o chinês. Ele virou o sistema de escrita público, a linguagem pública a linguagem que os homens usavam como parte de sua educação e no serviço público cotidiano. E foi só a partir do final do século IX, no início do século X, que o kana, ou seja, o silabário japonês, emergiu, e que os japoneses começaram a escrever seu próprio idioma.”

O “kana” surgiu do “man’yougana”, que era um conjunto de ideogramas que representava um som específico, sem relação com seu significado. Para facilitar, novas “sílabas” foram criadas, resultando no que hoje conhecemos como  “katakana” (usado para palavras estrangeiras e destaques) e “hiragana” (usado para palavras japonesas no geral). Além disso, mantiveram-se os ideogramas, que receberam sons adicionais, diferentes dos que se usam no chinês atual e que também não sofreram o mesmo processo do mandarim simplificado.

Contudo… será que podemos chamar isso de letras, que juntas configuram um alfabeto?

Apesar de o “kana” (hiragana e katakana) ser derivado dos ideogramas, eles não possuem significado próprio, são apenas representações gráficas de som. Além disso, os sons consonantais não existem por conta própria, apenas juntos de vogais. Ou seja, não há como escrever o som “Bra” como em “Brasil”, tornando necessário colocar um som vocálico ali. Desta forma, se escreve ブラジル (buradjiru ou, usando o alfabeto fonético internacional: bɯɾadʑiɾɯ).

Em outras palavras, não existe representação gráfica para “B”, que se une com a representação gráfica para “U” e sim apenas uma representação gráfica para “BU”.

Isso não ocorre em todos os idiomas asiáticos, no entanto. Por exemplo, no coreano, existe um alfabeto, o hangul. Nele, temos o ㅂ, que tem som de B (ou P), sozinho, dentre outras consoantes.

Então, o hiragana e o katakana são conjuntos de sílabas?

Aqui existe outra problemática. Por conveniência, pode-se chamar assim, por ser mais correto do que “alfabeto” (formado por letras). Hoje em dia, muitos linguistas e estudantes da área concordam em chamar de “mora”, ou, em japonês, 拍 (haku). Isso porque a mora leva em conta a duração, o ritmo, e nas palavras em japonês todas as moras devem ter a mesma duração.

Como as moras são contadas:

  • Em vogais longas, conta-se uma sílaba, mas duas moras. Por exemplo: aa. Mesmo quando ocorrem os sons ei (que soa como ee) e ou (que soa como oo), também representados no alfabeto romano como ê e ô, respecticamente;
  • O ん (som nasal, ‘n’) é contado como duas moras, mesmo que quando é precedido de vogal é considerado como uma sílaba;
  • Consoantes duplas (sokuon, quando se usa um pequeno tsu (っ) para dobrar o som consonantal a seguir) são contadas como duas moras. Por exemplo, “ippai” (いっぱい; muito) seria “i-p-pa-i” em moras e “ip-pai” em sílabas;
  • Não existe representação gráfica no hiragana e katakana para consoantes sozinhas, mas, na maioria das palavras, como em “desu” (です; cópula da gramática japonesa, sem tradução específica), o “su” (す) soa apenas como “s”. É considerado uma vogal desvozeificada. “de-su” é contado em duas moras.
  • Palavras como Tóquio, “Toukyou”, são contadas em 4 moras, “to-u-kyo-u”, mesmo que este som não seja pronunciado separadamente desta forma (soando mais como tôkyô).

! Curiosidade: A contagem de moras é ippaku, nihaku, sanpaku…; com este kanji 拍, haku, ou usando iti-on, ni-on, san-on…; usando on, 音. Ou, ainda, usando a palavra derivada do inglês, モーラ (moːɾa), itimoora, nimoora, sanmoora...

Então, como podemos nos referir?

  1. Mora ou, em japonês, haku;
  2. Kana;
  3. Em japonês: moji (que também é a contagem: hitomoji, nimoji [ou futamoji]…).

Sim, para um estudante iniciante é muito mais fácil chamar de “letra” e “alfabeto”. Mas é interessante fazermos um esforço para evitar reduzir tudo ao padrão ocidental. O japonês é um idioma muito diferente do inglês, português, e seus sistemas de escrita são muito diferentes do nosso alfabeto romano. Por isso, por que nós não podemos nos desvincular, ao menos um pouco, do ocidental, do português e afins?

É muito importante, também, pensar em não utilizar a romanização (transliteração do japonês para o alfabeto romano) ao aprender o japonês. Talvez seja um pouco mais complicado de início, mas depois não se terá o problema do “vício” em romanização e a assimilação de som-escrita pode ser feita de forma mais rápida.

Também vale pontuar, novamente, que os idiomas são diferentes e distantes (mesmo existindo palavras que vêm do português), e que às vezes é necessário deixar de lado alguns conceitos da língua materna ou de outras línguas estrangeiras que sabemos na hora de aprender o japonês. Não precisamos necessariamente usar o método direto para estudar, principalmente nos níveis iniciais, mas é muito válido pensar sempre que, muito raramente, uma expressão que existe em português existirá da mesma forma em japonês. A gramática é construída diferentemente, a etimologia das palavras é outra. Então, sugere-se pensar do japonês para o japonês e não tentar fazer conexões com o português e inglês, que podem acabar atrapalhando.

¹ http://afe.easia.columbia.edu/at/cl_japan/cj09.html;

Isabel Caroline Hack Machado, Estudante

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